A 4000 metros de altitude, no deserto de Puna de Salta, nos Andes argentinos, o oxigénio escasseia e as lagunas têm uma concentração de sal tão grande que se torna complicado mergulhar. Mas foi nestas águas cristalinas que os cientistas encontraram um ecossistema único, com estromatólitos "vivos". Um ecossistema que pode ajudar a compreender o princípio da vida na Terra... e no espaço.
Os estromatólitos são estruturas construídas por bactérias. Os mais antigos datam de há 3 500 milhões de anos, pouco tempo depois (em termos geológicos, pelo menos) da formação do planeta - são portanto os primeiros vestígios da existência de vida na Terra. Actualmente, existem apenas algumas destas estruturas vivas e em construção, em ambientes hipersalinos da Austrália, Chile e México.
María Eugenia Farías, directora do Laboratório de Investigação Microbiológica das Lagunas Andinas (LIMLA), compara estes sistemas a uma central de produção de energia em miniatura e muito arcaica: as algas fazem a fotossíntese e absorvem o dióxido de carbono; as bactérias reciclam os nutrientes minerais e o processo fica completo com a libertação de oxigénio. "Foram estes microorganismo extremófilos [capazes de sobreviver em condições extremas] e outros semelhantes que criaram a nossa atmosfera, rica em ozono, e permitiram o aparecimento de formas mais complexas de vida", explicou a bióloga, em declarações ao jornal espanhol El Mundo.
Os estromatólitos descobertos na laguna de Socompa distinguem-se porque sobrevivem a uma altitude superior a 3600 metros, expostos a uma forte radiação ultravioleta. Ou seja, num ambiente muito parecido com o que existia na Terra no início, pensam os cientistas.
Para a investigadora argentina, no entanto, estas lagunas não são apenas janelas para o passado, são sobretudo portas para o futuro. "O estudo destes fósseis vivos permite recriar os processos que intervieram na criação da vida na Terra. E pensar na existência de organismo semelhantes em outros planetas. O deserto de Atacama e nas lagunas salgadas são dois ambientes extremos, parecidos com o planeta Marte", explica a bióloga argentina.
O projecto que María Eugenia Farías dirige desde 2003 tem como objectivo procurar formas primitivas de vida, mas a investigadora acredita que o estudo dos estromatólitos pode trazer outros benefícios para a vida na Terra: através de aplicações práticas na produção de plásticos biodegradáveis ou de ingredientes para cosméticos.
Para a investigadora, que aprendeu a mergulhar nos recifes de coral australianos, este trabalho trouxe outro desafio. "Mergulhar nas lagunas de Puna é mais arriscado. A água é fria e devido à concentração de sais é necessário um duplo lastro para conseguir chegar ao fundo", conta.